Nas eleições de antigamente, quando eram usadas as cédulas de papel, havia uma maneira bem peculiar de se protestar através do voto, bastava escrever ali o nome de algum personagem inusitado e, assim, mostrar toda a sua indignação com a política. Um exemplo clássico desse tipo de voto de protesto foi o rinoceronte Cacareco que, em São Paulo, obteve votação expressiva para vereador, no pleito de 1958. O protesto do eleitor podia também ser expresso por meio de palavras ofensivas escritas nas cédulas.

Estes votos eram obviamente anulados pelos juízes eleitorais e o efeito dessa espécie de protesto no resultado das eleições era apenas o de aumentar o percentual de votos nulos. Porém, o advento das chamadas Urnas-E colocou fim a esse tipo de manifestação política contestatória, pois as mesmas foram projetadas de forma a limitar as possibilidades de interação do eleitor. São apenas 10 teclas numéricas e outras 3 teclas específicas à disposição do votante, que agora não consegue mais escrever um palavrão ou votar em um Cacareco. Interessante é que o povo, não satisfeito em anular seu voto, criou uma nova (e perigosa) forma de expressar seu protesto: votar em candidatos exóticos que de alguma forma simbolizem sua revolta e, diga-se de passagem, fazem isso até com uma certa dose de inexplicável orgulho.
Reconhece-se a legitimidade na eleição deste tipo de candidato, mas é importante saber que os votos de protesto que lhe são confiados elegem muito mais do que ele próprio. Este voto que antes das tais Urnas-E apenas aumentava a quantidade de votos nulos, agora podem eleger candidatos nulos e ainda “puxar” candidatos com dificuldades de se eleger (ou reeleger), através de mecanismos do sistema proporcional chamados COEFICIENTE ELEITORAL E COEFICIENTE PARTIDÁRIO. Este sistema, relativamente complexo, utiliza os seguintes cálculos para definir quem serão os ocupantes das nove vagas, no caso do legislativo alpinopolense:
1) VV : CC = CE. Coeficiente eleitoral (CE), obtido da divisão entre o número de votos válidos (VV) pela quantidade de cadeiras na Câmara (CC), é o número mínimo de votos que um partido ou coligação precisa receber para poder ocupar as cadeiras disponíveis.
2) VP : CE = CP. Coeficiente partidário (CP), resultado da divisão do número de votos que o partido ou coligação recebeu dividido pelo coeficiente eleitoral, é o número de cadeiras a que o partido ou coligação inicialmente tem direito.
ENTENDA O COEFICIENTE ELEITORAL E O COEFICIENTE PARTIDÁRIO

Para que o leitor compreenda melhor estes conceitos, tomemos como exemplo os números da última eleição municipal, realizada no ano de 2008. Segundo esclarecimentos fornecidos por Tarcísio Amorim, Chefe do Cartório Eleitoral de Alpinópolis, o número de votos válidos neste pleito foi de 11.715. Seguindo o cálculo da fórmula nº 1 (baseada na Lei 4.737 de 15/07/1965), chegaremos aos seguintes números: 11.715 (votos válidos) dividido por 9 (número de vagas na Câmara Municipal de Alpinópolis) = 1.301,666 (coeficiente eleitoral). Como este número não pode ser fracionado (segundo o Art. 106 da citada lei), ele é arredondado para 1.301. Ou seja, um partido ou coligação, teria que obter, no mínimo, 1.301 votos para levar um candidato a ocupar uma cadeira de vereador.
Depois haveria que se calcular o coeficiente partidário para saber quantos vereadores cada partido ou coligação elegeria. Este cálculo é feito seguindo a fórmula nº 2. Por exemplo, se um partido ou coligação alcançasse 4.000 votos aplicaríamos assim a fórmula: 4.000 (votos do partido ou coligação) dividido por 1.301 (coeficiente eleitoral) = 3,074 (coeficiente partidário). Como, a exemplo do coeficiente eleitoral, o resultado não pode ser numeral fracionado, chegaríamos a um coeficiente partidário igual a 3, ou seja, aquele partido ou coligação levaria 3 candidatos a ocupar cadeiras na Câmara Municipal. O interessante nessa história toda, é que se, por exemplo, um candidato a vereador atingisse uma votação histórica de 2.000 votos ele contribuiria com metade dos votos necessários para que sua coligação ou partido pudesse “puxar” mais dois candidatos com ele, talvez com um número bem menor de votos que algum outro candidato cujo partido ou coligação não tenha conseguido bom coeficiente partidário.

Entendendo toda essa matemática eleitoral, podemos simplesmente concluir que depositar os famigerados votos de protesto em determinados candidatos podem gerar fenômenos eleitorais que contribuirão de forma significativa para que o coeficiente partidário de sua coligação ou partido seja alto, e leve junto com ele um candidato indesejado. É aí que mora o perigo. Daí a necessidade de se conhecer tanto o candidato quanto a coligação à qual pertence.
Para evitar maiores complicações, talvez fosse uma boa solução adotar a proposta do humorista Millôr Fernandes e incluir nas urnas eletrônicas uma quarta tecla específica, a “VÁ A M…”, para explicitar esse sentimento de quem deseja protestar. Isso nos pouparia do grave problema de eleger candidatos assustadoramente despreparados através do tal voto de protesto. Enquanto isso não acontece, o melhor que temos a fazer é analisar com consciência e escolher criteriosamente quem será digno de nosso precioso voto.