“Voz Interior” da escritora Conceição Lima recebe apreciação do Doutor Dimas Ferreira Lopes

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Em virtude do lançamento da obra intitulada “Voz Interior”, na XV Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, de autoria da célebre alpinopolense Doutora Conceição Lima, o seu não menos célebre conterrâneo Doutor Dimas Ferreira Lopes foi convidado a elaborar um artigo de apreciação deste fruto literário. Para quem ainda não conhece, Conceição Lima é, além de escritora, uma respeitada educadora com extenso curriculum acadêmico. Em primeira mão o leitor poderá conferir, neste espaço, um texto que sonda e exalta o teor da obra em questão. A seguir, confira na íntegra o rico conteúdo desta apreciação:

 

Por: Dimas Ferreira Lopes

A generosidade da autora, que me disse aguardar uma apreciação informal de minha lavra, é que me empolga a fazê-lo, e fazê-lo com certa audácia: aberta ao público, divulgando-a na Tribuna Alpina, quando antes deveria tê-lo encaminhado à autora, como recomenda a elegância acadêmica. Não o encaminhei. Também eu tivesse um pouco de siso, contentar-me-ia com a leitura – que realizei e de que muito me agradei – e confidencialmente a informaria de meu deleite, declinando-me de conceder à obra já publicada (e já ao agrado de leitores mais abalizados), minha desnecessária opinião.

A obra possui 145 páginas. O sumário evidencia que o PRÓLOGO, páginas 9-11, é uma apresentação intitulada Em busca da minha essência, qual, na verdade, não constitui um capítulo, mas uma apresentação, um verdadeiro PRÓLOGO-APRESENTAÇÃO.

A autora não foi egoísta por deixar de convidar terceiro para a apresentação de sua obra. E não se trata mesmo de nenhum egocentrismo, pois avaliou que assim deveria comportar-se devido à natureza da narrativa: um compósito de sabedoria identificada a partir do perscrutamento que fez para encontrá-la no seu interior secretíssimo, ou seja, na sua essência. Então, se a voz que do imo ecoa é a voz interior da autora (perdão pela força pleonástica), a ela, por obrigação, caberia unicamente informar os leitores sobre estes corredores ontológicos. E foi o que a Doutora Conceição fez. Palavras dela de que me aproprio sem aspas: Devo ultrapassar a barreira de meu EU PERIFÉRICO para encontrar o meu EU ESSENCIAL… o momento do encontro entre o ser humano e a sua verdadeira essência é sempre um INSTANTE SAGRADO… somente quando se experimenta o Eu essencial é que se pode trazer à luz a VOZ INTERIOR.

A autora Conceição Lima
A autora Conceição Lima

Não se trata de um prólogo hermético, mas se se trata de um prólogo difícil; por isso a autora se viu obrigada, ela própria, a redigi-lo com beleza.  Nele ela se encontra – consciente ou inconscientemente – com o seu nome: Conceição, do latim conceptus, que quer dizer “concepção”, ela traz à luz o que gestou ao longo da sua madurês vital. Às vezes “muito dolorido”, como o evidencia o capítulo “Meu berço de espinhos” (páginas 54-55).  Por breve. Na obra, a autora expele a sabedoria de dentro de si, porque é isto – mais que qualquer coisa –  que pretende com este livro. Neste primoroso capítulo – o que mais me encantou – o vocábulo concepção foi empregado na terceira linha do terceiro parágrafo da página 55. E gostei que o parágrafo derradeiro se concluísse de forma interrogativa e exclamativa. Afinal, mesmo quando nos apropriamos de uma realidade, estamos sempre aprendendo e ressuscitando. Aqui jogo uma pitada de hermetismo, ou melhor, de mistério, já que mistério não é algo que se pode desvelar totalmente, pois é mais do que encobrimento, é inesgotabilidade. A autora tem plena ciência disto, pois se apoiará em Fernando Pessoa para louvar o gerúndio do verso “De tudo ficaram três coisas:  A certeza de que estamos sempre começando”, o infinitivo do verso “A certeza que é preciso continuar”, o particípio do verso  “A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar”.

O partejamento da sabedoria se dá numa estrutura de 40 capítulos. A obra não os enumera. Mas tive a curiosidade de contá-los a partir da página 12 (Cada qual e seu caminho) até o epilegômeno (Peço licença), fecho com o emprego da mesma estratégia do prólogo: o epílogo é também o último capítulo (página 138). Porém, no capitulo final, a autora ensina o que aprendeu com as balizas da sabedoria de Fernando Pessoa, Carl Jung e Jean Paul Sartre. Lidos e expressos, todos esses três sábios estariam a meu sentir em acordo com o sábio brasileiro Gonçalves Dias: “Viver é lutar”, citado na página 21, no capítulo “Vestido para lutar”. Mas a autora conseguiu me provocar algum desconforto na medida em  que   se contrapôs com o  “poeta nacional do Brasil”,  impelindo-me a uma reflexão incomodativa : viver é viver e lutar é lutar. Penso que a escritora, neste capítulo, deixa algumas inconsistências propositais, notadamente ao parafrasear Paulo Apóstolo (lutar o bom combate), acrescentando, por sua conta e risco, o estar armado para lutar o “mau combate”. As páginas 22 e 23 não devem ser eliminadas, devem ser lidas e relidas, exegetadas e comparadas. Parece também um libelo anticapitalista e uma louvação à bondade humana.

Para concluir, gostaria de estabelecer uma comparação. O livro, em minha contagem, possui 40 capítulos, número simbolicamente rico de significados. Tomando cada capítulo por dias ou anos, algumas associações podem ser estabelecidas.  A quaresma – período de quarenta dias – é um tempo litúrgico marcado por disciplinas penitenciais como jejuns, abstinências, mortificações que se aplicam para a purificação e crescimento espiritual dos fiéis. Durante quarenta anos o povo hebreu caminhou pelo deserto na confiança da Terra Prometida. Estar no deserto quaresmal ou do êxodo é estar cercado de tentações, da carência de alimentos e água, exposto a animais venenosos. Uma jornada cansativa. Mas a solidão desértica tem o poder de promover o adentramento ao mais íntimo em nós, de promover uma experimentação mística que leva à iluminação do conhecimento. Afinal, as linhas condutoras do enredo são luzes crescentes na sequência dos capítulos, o que a autora predicou  como “degrau acima do primeiro começo”( página 12),  uma ascese ao reconhecimento da “medida exata do que [somos] verdadeiramente” ( página 10), o autoconhecimento ( a radiografia que escancara o  autoconhecimento – página 19), o “verdadeiro dom que habita em nós” ( página 28).

                    Parabéns.

                   Alpinópolis, Minas Gerais, 30 de dezembro de 2015.

 

dr_dimas_ferreira_lopesO alpinopolense Dimas Ferreira Lopes é Diácono Permanente da Igreja Católica na Arquidiocese de Belo Horizonte, nomeado integrante do CADIPE – Conselho Arquidiocesano para o Diaconado Permanente. Advogado e professor universitário leciona Sociologia Jurídica e Hermenêutica Jurídica no curso de Direito da FMD – Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas – Belo Horizonte (campus Coração Eucarístico), indicado pelo Colegiado Didático para a Coordenação de Assuntos Estudantis, e eleito representante docente junto ao CEPE Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão – órgão de deliberação superior da Universidade. Ensina Direito Canônico na Escola Diaconal São Lourenço da Arquidiocese de Belo Horizonte. Têm mestrado e doutorado, e, atualmente, cursa teologia.

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