VENTANIA E SEUS FOGUETEIROS SEM NOÇÃO


foguete pintura

O hábito de soltar foguetes deve ter sido trazido pra cá pelos primeiros moradores. Só pode. As vezes acho que seria muito mais característico o povoado ter se chamado, ao invés de São Sebastião da Ventania, de São Sebastião da Foguetaria. Para o leitor entender que não é nenhum exagero de minha parte, basta dar uma olhadinha em uma rara publicação chamada “Almanach Sul Mineiro”, escrito em 1874, que poderá conferir, entre as informações censitárias constantes sobre nosso arraial, o registro dos nomes de Agostinho José Vieira, Leopoldino Dias de Oliveira e Quirino Gonçalves Machado, classificados como FOGUETEIROS. Isso mesmo, no século XIX já havia fogueteiros profissionais por aqui. E, pelo volume crescente de fogos queimados, parece que ainda há muitos.

Tudo parece ser motivo para soltar foguete. As festas tradicionais, as comemorações esportivas, celebrações de casamentos e aniversários, traficantes avisando aos “clientes” quando chega a mercadoria e (esse com maior intensidade) o poder público para chamar a atenção do eleitor para suas “conquistas”. É foguete que não acaba mais! Haja ouvido para tanto barulho.

Nas festas da cidade ainda vá lá, afinal são tradições seculares de nossa gente… Nos casamentos, aniversários e eventos esportivos, os organizadores poderiam considerar e comemorar sem essa barulheira… Os traficantes, por motivos óbvios, não há como cobrar deles bom senso nem legalidade… Mas o poder público, esse que deveria dar exemplo, seria no mínimo coerente interromper de vez essa prática, pois além ser ridículo e incomodar demasiadamente, ainda é contra a lei. Sim, senhoras e senhores, há uma lei municipal que regulamenta esse tipo de atividade e ninguém dá e mínima para ela. Trata-se da Lei Complementar 023/2003, o Código de Posturas do Município de Alpinópolis, que reza o seguinte:


Art. 79. É expressamente proibido perturbar o sossego com ruídos ou sons excessivos evitáveis, tais como:

(…)

V – de morteiros, bombas e demais fogos ruidosos.

 

Art. 162. É expressamente proibido:

I – queimar fogos de artifício, bombas, buscapés, morteiros e outros fogos perigosos nos logradouros públicos ou em janelas e portas que se abram para os mesmos logradouros.

 

Talvez haja contestação de defensores mais empolgado dos foguetórios, como alguns vereadores que proclamam, em plena reunião da Câmara, frases do tipo: “Nóis vai sortá memo”(sic) ou “Foguete é sinal de alegria”. Quem sabe digam que tudo é feito com autorização e que está previsto em lei. Vindo destes, e de alguns outros por aí, não duvido de nada. E a barulheira continua perturbando. E como perturba. Isso quando não tem dinheiro público financiando a algazarra. Dinheiro que deveria estar sendo aplicado em coisas úteis vira ruído e fumaça para agradar os egos de certos políticos e seus aliados.

Que o barulho perturba toda a população, não há dúvidas. Poucos são os que aprovam as bagunceiras comemorações. Mas para alguns outros, isso se torna um verdadeiro tormento. Falo dos enfermos, das crianças e dos animais. Os pobres bichos sofrem com espetáculos desta natureza, pois possuem uma acuidade auditiva muitas vezes superior ao ouvido humano, além da vibração resultante dos sons em tom muito elevado. Na natureza tal acuidade possibilita aos animais a localização de alimentos e a fuga de seus predadores. O estrondo para eles é insuportável.

Os danados dos foguetes também atordoam os pacientes do hospital e as crianças, pois o barulho da queima de fogos de artifício ultrapassa os 125 decibéis, equivalente ao som produzido por aviões a jato. Também trazem algo que causa muita tristeza aos zeladores do meio-ambiente de nossa cidade: as queimadas provocadas pelas faíscas que caem nas serras e matas do entorno. Isso sem falar dos acidentes decorrentes do ato como queimaduras, lacerações, lesões de córnea e do pavilhão auditivo e até amputações dos membros superiores.

A meu ver, tanto alarido e barulheira dão sinais de pouca civilidade. Lamentável essa ausência de consideração com quem deseja e precisa de sossego. É triste ver o desrespeito dos fogueteiros com as crianças, os idosos, os enfermos, os animais domésticos e o meio ambiente. O conceito em questão é o respeito. Quem não respeita o outro possivelmente não respeita nem a si próprio.

Emanuel Ferreira Reis – Bacharel em Direito

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