INDEPENDÊNCIA OU SORTE !

Fragmento da tela Grito do Ipiranga (Pinacoteca do Museu Paulista)
Detalhe da tela Grito do Ipiranga (Pinacoteca do Museu Paulista)

Independência ou morte, já dizia Dom Pedro, primeiro, antes de mais ninguém… Ou um ou o outro. Nem um nem o outro. Aprendemos na escola tal frase de efeito proferida por nosso primeiro governante nacional com um certo tom de heroísmo. Ouvimos a história que conquistamos nossa independência de forma ousada, em um contexto que possibilitou a fuga da opressão e exploração de nossas riquezas. A promessa era que deixaríamos o status pejorativo de ser colônia de Portugal de modo a conquistarmos autonomia de decisões e futuros de uma nação promissora que surgia.

Eis que 191 anos se passaram e como no dia de nosso aniversário cabe o questionamento de o quão maduros estamos após mais um ano de emancipação. Eis que como nunca se viu antes na história deste país, parafraseando nosso ex-presidente, podemos observar com alguma clareza que ainda temos grilhões a serem rompidos. Eis que além de desfiles e paradas pomposas para celebrarmos a data de hoje, profundas reflexões podem ser sugeridas.

Em primeiro lugar, pela mensagem clara e forte vinda dos protestos nas ruas, entendemos que nosso sistema como um todo está doente, agonizante e de forma tão escandalosa que esquecemos, inclusive, do futebol durante a realização da Copa das Confederações. Quem diria! O país do futebol, que será sede do evento mais assistido do esporte mundial, mostrou que não, não é subserviente a esse corrupto sistema repleto de ineficiências presenciadas e noticiadas todos os dias. O país pentacampeão mundial deu o recado de que está preocupado com a ausência de providências para essa sorte de comportamentos social, ética e moralmente condenáveis.

Manifestantes no Congresso Nacional Foto: Mídia Ninja
Manifestantes no Congresso Nacional
Foto: Mídia Ninja

A mensagem que as pessoas de todo país querem trazer é de basta! Estamos cansados de apenas assistir mandos e desmandos de acordo com o julgamento e a vontade de quem “representa” a população. Servidores públicos que, estando em uma posição de direito democrático, utilizam da máquina pública para benefícios estritamente próprios, de seus camaradas e familiares. Isto acontecendo simultaneamente às falhas na infraestrutura de transporte, sistemas logísticos defasados, aparatos de saúde pública pouco ou nada eficientes, além de processos e estrutura de educação extremamente antiquados.

Apesar de vivermos na era da informação e da liberdade de expressão, lamentavelmente ainda existem sistemas que remetem ao coronelismo e meios de manipulação da dinâmica política e social com fins de privilégios e projetos de perpetuação no poder. Infelizmente ainda existem monopólios de meios de comunicação por famílias tradicionais e pior, monopólios de sistemas públicos de benefícios de direito de qualquer cidadão, como o acesso a consultas médicas, ou ainda acesso a vultuosos contratos que são alcançados por meio de privilégio a grupos específicos que pagam propina ou têm proximidade pessoal com quem está no podem, em vez de existirem licitações transparentes que definam um vencedor que possa oferecer o melhor produto ou serviço por um valor justo de acordo com a necessidade contratada.

De um modo geral as pessoas estão cansadas de ver que o público não é privado e o que é de direito de muitos não pode ser de apenas alguns. Milhões gastos com auxílio moradia, carro, viagens, gabinete, gravata e inúmeros outros mecanismos de engorda do salário oficial registrado e divulgado nos autos. Sem falar no auxílio “falta total de escrúpulos” que totaliza um bilhão com um Maluf aqui, meio bilhão com compra de votos de deputados ali e 10 a 20% de supervalorização de muitas licitações acolá.

E ao falar sobre a Ventania, a realidade seria diferente? Será que os servidores públicos municipais do Executivo e Legislativo tem atendido a premissa de trabalhar para o bem público? Será que em alguns momentos pequenos grupos não se beneficiam da situação de ter os instrumentos de poder institucional para privilegiar interesses privados? Será que as consequências de possíveis más atuações ou omissões em atuar em casos de atendimento básico da população tem afetado a dinâmica de nossa sociedade?

Protesto realizado na porta da Prefeitura Municipal
Protesto contra a violência realizado na porta da Prefeitura de Alpinópolis

As ruas deram algumas respostas às perguntas acima, ou melhor, as pessoas que vão para as ruas nos dão algumas pistas. Disseram-nos que não são necessários mais vereadores que o mínimo proposto na legislação; que existe sim uma preocupação com o meio ambiente da Ventania; que a violência chegou a seus limites e têm afligido as pessoas mais que nunca em uma cidade tradicionalmente pacífica. Os movimentos contra corrupção local e nacional, via redes sociais, querem dizer que sabemos o que acontece como sempre soubemos, mas agora estamos dispostos a compartilhar o que sabemos e, mais importante, não estamos dispostos a tolerar situações absurdas. Esse processo é irreversível e está bem claro que atitudes serão tomadas por essas pessoas engajadas, que somam cada vez um número maior.

Manifesto na Câmara Municipal em defesa do meio ambiente
Manifesto na Câmara Municipal em defesa do meio ambiente

Talvez dessa vez o que estejamos ouvindo seja um verdadeiro grito de independência. Independência no sentido de se conquistar aquilo que nos pertence e não sermos irresponsáveis no sentido de esperar que a sorte nos presenteie com algo de bom, sem fazermos por onde. Jogados à sorte, por exemplo, vimos muitas decisões importantes, mas irresponsáveis ter bons resultados como uma abrupta abertura econômica que quebrou muitos industriais, mas elevou em muito nossa competitividade no cenário mundial em um segundo momento. Ou mesmo a regulamentação de nossa educação que propiciou que muita gente tivesse curso superior, mas ao mesmo tempo permitiu muitas escolas de qualidade duvidosa fossem abertas, não garantindo uma formação adequada.

Talvez tenha sido sorte que medidas até certo ponto “irresponsáveis”, como as acima citadas, tenham dado certo e contribuíssem para nos trazer ao momento de hoje, com um olhar mais crítico sobre nossa realidade. Sorte que nem sempre pode pender para o lado de benefícios. Felizmente indícios apontam que as manifestações demonstram uma vontade reprimida de se construir algo e não mais esperar que as coisas aconteçam e que sejamos salvos por um herói ou messias. Eventualmente, saberemos se toda a indignação manifestada terá resultados concretos rumo a uma independência verdadeira, com uma solidificação de sistemas e processos realmente democráticos, que institua algum tipo de ordem e permita real progresso.

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