Entrevista com a escritora alpinopolense Hilda Mendonça

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A escritora Hilda Mendonça é natural de Alpinópolis, ou Ventania, como ela própria gosta de chamar. Esta filha de Alfredo Crispim da Silva e Antonia Francisca Mendonça é formada em Magistério – Letras Inglês/Português, pós-graduada em Ensino Institucionalizado e Educação para Adultos, além de ter diversos cursos na área da Educação.

Viveu por 17 anos na vizinha Passos, onde completou o ensino médio e superior. Fixou residência em Brasília, em 1975, sendo aí aprovada em concurso público como professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, exercendo o magistério por 25 anos, notadamente na cidade de Taguatinga, onde se envolveu também em atividades literárias, desfiles da cidade, música, etc.

Hilda Mendonça é filiada ao Sindicato dos Escritores do Distrito Federal, tendo sua biografia registrada no Arquivo Público do DF e já publicada em uma revista da ADPF. Há que destacar ainda que desenvolveu rico trabalho sobre o resgate da história da cidade de Taguatinga. Participou do projeto “Leitor Criador”, das escolas públicas do DF e do projeto Luz e Autor em Braille (PLAB) da biblioteca Braille Dorina Nowill. Ao aposentar-se, em 2000, Hilda volta para Minas Gerais, dedicando-se agora integralmente a sua obra literária.

Tendo recebido inúmeras homenagens ao longo de sua carreira, a que mais se destaca é ter seu nome dado nomenclatura à biblioteca do CEM-EIT Taguatinga-DF, chamada Biblioteca Hilda Mendonça. É membro fundador da Academia Taguatinguense de Letras, cadeira nº 4, patrono Humberto de Campos.

Quando você descobriu que tinha dom para ser escritora e como isso aconteceu? 

Sempre gostei de escrever e na escola já fazia boas redações, mas a que chamou a atenção de um professor, já no ginásio, foi um texto que fiz sobre os festejos de São João. Quando esse professor me disse que tinha qualidade literária, comecei e não parei mais.

Servindo-se de três adjetivos, descreva Hilda Mendonça.

Eu diria que um substantivo me identificaria melhor: TRABALHO. Tenho a impressão de que já nasci trabalhando e peço a Deus que nunca me tire a capacidade e o gosto pelo trabalho. Mas não fugirei das adjetivações, então me descrevo como inquieta, sonhadora e esperançosa.

O que recorda de mais precioso da sua infância em Alpinópolis?

Minha infância em Alpinópolis foi a cara daquele poema “Meus Oito Anos”, de Casimiro de Abreu, porém há ali um verso que define tudo: “Livre filho das montanhas”. Tínhamos a liberdade que as crianças de hoje não  têm.

Fale-nos sobre sua longa fase passada no Distrito Federal.

Assim que terminei o curso de Letras em Passos (nem participei da formatura) fui direto para Brasília, que eu já conhecia desde 1970. Cheguei lá em 75 e comecei lecionando no Colégio Stella Maris, Jesus Maria José e também em escolas na cidade satélite do Gama. Fiz isto por quatro anos até que, por concurso, fui chamada pela Rede Oficial e fui lotada na cidade satélite de Taguatinga. Como amei aquele lugar, tudo sendo construído e, hoje, é uma quase uma metrópole. Antes de sair de lá fiz um livro que conta os seus primórdios. Ali me envolvi com artistas que fundaram a Associação de Arte e Cultura, da qual eu era secretária, que congregava artistas de todos os segmentos: música, teatro, literatura, artes plásticas, artesãos, grafiteiros, cordelistas, enfim uma miscelânea cultural. Eram os anos de ferro da ditadura e, como a maioria dos artistas, vivíamos tendo problemas. Foi quando três colegas me convidaram para criar algo voltado só para a literatura e assim nasceu a Academia Taguatinguense de Letras, hoje uma entidade respeitada, que tem em seu seio grandes escritores e poetas consagrados. Tínhamos também em Taguatinga grandes projetos como o Leitor Criador, criado pela mineira Stella Maris (ganhadora de três Jabutis), o Luz e Autor em Braille, de outra mineira, a Dinorah Couto. Dessas lutas colhemos bons frutos, pois há hoje um Centro Cultural com biblioteca pública, teatro, Academia de Letras, biblioteca Braille e, em suas proximidades, uma biblioteca que leva o meu nome.

Como e quando se deu seu ingresso na Academia Taguatinguense de Letras?

Como disse anteriormente, sou uma das fundadoras dessa academia, assim sendo, estou lá desde o início. Eu e outros três escritores, o Dr.Leão Sombra do Norte Fontes, Hildebrando Davi e Adalberto Adalbertos somos os fundadores.

O que nos diz sobre seu último livro A Grande Virada?

O livro, que tem como prefacista o alpinopolense Dr.Dimas Ferreira Lopes, surgiu da vontade de registrar o que se passava na virada do milênio, mas as personagens às vezes nos conduzem a outros caminhos. Por exemplo, a personagem Paula veio viver na Ventania, depois foi para Brasília e finalmente foi para a Zâmbia, na África, onde mudou sua história. Para quem é da Ventania, poderá ver que cada contorno, cada pedra dessas serras ventanienses, estão contidas nele. Não deixem de ler.

O nome de seu escritor brasileiro preferido.

Em meio a tantos que sou apaixonada, seria difícil escolher um só, mas poderia citar um livro, que considero o maior livro deste país: Os Sertões, de Euclides da Cunha. O porquê de minha referência a esse livro seria impossível esclarecer em uma só entrevista. Só quem leu, ou vier a ler a obra, poderá saber.

O nome do maior poeta do Brasil.

Com tanta gente boa seria difícil, mas afirmo sem nenhuma dúvida que se Castro Alves não tivesse vivido tão pouco, morreu aos 24 anos, teria sido o maior poeta brasileiro de todos os tempos, com a sua verve literária e a sua visão de mundo.

Sabemos que teve muita proximidade com Omar Kraüss. Fale-nos um pouco sobre esse contato.

O Omar representou muito para mim. Além de escritor, teatrólogo, músico, cantor, palestrante, alfaiate, artesão e tantas outras coisas que era o Omar, o que mais houvera pela frente ele teria feito. Quando partiu, o que eu mais perdi com a sua ausência foi meu “baú pirata de memórias”. Incrível como ele ia desfiando coisas que eu também tinha vivido e com o tempo ia deixando de existir. Além de um grande amigo, Omar era o guardião de minhas lembranças.

Como descreve a arte de escrever contos?

O conto,embora seja um texto curto, gira em torno de um episódio. Nem todo mundo consegue produzir um bom conto, o que requer muita capacidade de síntese, carga emocional, conhecimento das espécies literárias, pois a narrativa se inicia e já caminha para um clímax que poderá ter desfecho ou não. É minha espécie predileta, tanto para ler quanto para escrever.

Suas experiências pessoais têm efeito direto sobre as personagens de seus contos?

Sobre minhas personagens, vou usar para defini-las as palavras do escritor e gramático Douglas Tufano. Ele diz que vivem num mundinho apertado, isto porque o que me encanta são as pessoas que vivem neste interiorzão brasileiro, nas currutelas, nas pequenas cidades, seus usos, costumes e crenças, talvez por ser folclorista.

O quanto tem de Ventania em Hilda Mendonça?

A Ventania é a mãe, né? Foi de onde saí e apresentei minha cara ao mundo. Por toda parte que fui e vou, a apresentação é Hilda Mendonça, natural de Alpinópolis. E lá dá para separar? Mas não posso ser injusta de não assumir que também devo muito a Passos, que me deu o suporte para enfrentar o mundo lá fora e que acolheu em seu seio, para o sono eterno, meus pais e três irmãos.

Que conselho quer deixar aqueles que desejem escrever e mesmo editar um livro?

Para escrever? Primeiro é preciso que seja leitor, sem ler é como alguém que quer fazer uma casa, mas não tem o material. Quem não lê não escreve. Eu diria aos novos que comecem participando de concursos literários. Uma boa alternativa é publicarem em antologias e jornais antes de chegarem ao livro. Há que entender que o processo é longo e não se resume a pagar uma gráfica ou editora e publicar o livro. É preciso ganhar leitores e isso demanda tempo e trabalho para sua conquista. Hoje eu já tenho editoras que, dependendo do assunto, investem em meus livros, porém não todos. Como exemplo, posso citar o fato de já haver publicado três livros de folclore e que tenho material pesquisado in loco para mais uns cinco. Porém as editoras dizem que folclore vende pouco, o que é uma pena, é a nossa cultura genuína.

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