20 de novembro – Dia da Consciência Negra

Os Quilombos dos “Sertões do Jacuhy”

Basta as mais simples indagações sobre os segmentos históricos de nossa região para perceber que tantas lacunas existem e há carência de trabalhos publicados nesse sentido, principalmente quanto à história que precede a divisão dessas terras para os grandes proprietários (entrantes, colonos ou portugueses), ou as pequenas formações urbanas. Outro problema a ser enfrentado quanto à reconstrução da nossa identidade histórica é a negação da história construída pelas camadas populares, substituída por uma história das grandes personalidades que em um “toque de mágica” impulsionam para frente a sociedade, esta última, na maioria das vezes, uma história ideológica e falsa.

Representação de um quilombo do século XVIII  Arquivo Fundação Biblioteca Nacional

Assim, se vê pouco corrente o entendimento sobre a existência dos vários quilombos nas mediações conhecidas historicamente como “Sertões do Jacuhy”. Jacuhy é uma expressão de dialeto indígena que significa “água do jacu”, que parece ser assim como era conhecido o Rio São João pelos povos indígenas. Mas, precisamente, foi assim que os entrantes dos sertões chamaram a região entre os três rios: a oeste, a bacia do Rio Pardo; a leste o Rio Sapucaí; ao norte o Rio Grande; e no centro o Rio São João e todos os seus afluentes.  (Os “Sertões do Jacuhy” – GRILO, Antonio Theodoro, Pág: 29)

Por volta do ano de 1730, a extração de ouro na região das minas (Ouro Preto, Mariana, São João Del Rei, etc.), chegou ao seu auge, mas juntamente com a opulência do ouro aumentou também a população de negros escravos, as agressões aos mesmos e as sucessivas crises de fome provocadas pelas altas taxas de impostos, situação muito bem analisada por Laura de Melo e Souza em seu livro Desclassificados do Ouro, A Pobreza Mineira do Século XVIII. Motivados pela falta das condições básicas de vida estes negros fugiam em grandes levas do regime de escravidão e se embrenhavam nas matas praticamente inexploradas e formavam, algumas vezes, grupos de resistência armada contra seus perseguidores, os “capitães do mato”, os chamados Quilombolas; ou outras vezes comunidades autônomas conhecidas como quilombos.

Na região conhecida como “Sertões do Jacuhy”, sabe-se da existência de pelo menos 7 quilombos: o do Desemboque,  cerca do local conhecido por desemboque; do Muzambo, onde hoje é o município de Muzambinho; do Zundu próximo a atual cidade de Jacuí ; Caeté, próximo a Nova Resende; e do Dumbá; o de Santa Anna, junto ao Rio Santana, local conhecido hoje por “morro do ferro”; e o da Ventania,  nas redondezas do município de Alpinópolis (Os “Sertões do Jacuhy” – GRILO, Antonio Theodoro, Pág: 11). Esses quilombos são citados primeiramente nos documentos da expedição de Bartolomeu Bueno do Prado de 1759, e posteriormente nos documentos que relatam a Marcha do Governador Luiz Diogo da Silva de 1762 – 64. José Iglair Lopes em seu livro História de Alpinópolis, cita que no documento de Sentença de Patrimônio de Ventania se encontra referências ao Quilombo da “Ventania”. É possível que houvessem outras localidades não tão evidentes.

Contudo, pouco se sabe sobre a história especifica dos quilombos dos “Sertões do Jacuhy”, os documentos até hoje encontrados que fazem referência a tais quilombos são poucos, e nos dão indicativos gerais sobre a localização dos mesmos. A tentativa de encontrar seus resquícios para estudos arqueológicos tem sido frustrada, já que suas construções eram de madeira e palha e facilmente se perderão no tempo.

O que se pode fazer com melhor segurança é um esboço geral sobre o perfil social dessas comunidades.  Os quilombos eram arraiais muito simples em sua conjuntura física, aí viviam os negros fugidos do regime de escravidão, mas também negros alforriados que preferiam abandonar as minas e seguir, aos bandos, de encontro a uma vida mais serena; constituíam famílias, viviam da caça, pesca, coleta de frutos, uma simples agricultura de subsistência, e alguma criação. Praticavam trocas baseadas no valor de uso entre si e com outros quilombos, ou mesmo com “roceiros” moradores brancos e pobres que viviam em suas “taperas” a busca de faisqueiras de ouro ou apenas de um meio de vida baseado na agricultura de base. Juntamente com os moradores dos quilombos, esses “roceiros” constituíam os únicos moradores dos sertões e mantinham relações amistosas com a sociedade negra. Os quilombos, quanto às relações sociais, podem ser chamados de comunidades no seu sentido primeiro: “comum”, como a maioria dos negros dos quilombos eram ainda originários da áfrica é possível que ao se organizarem retomavam alguns princípios sociais da estrutura tribal vividas por eles nas etnias africanas, assim rompiam com a propriedade privada e estabeleciam uma sociedade “comunal”, baseada na divisão da produção entre os grupos familiares.

Pintura retratando uma possível moradia quilombola do século XVIII
Tela: “Habitação de Negros” (Rugendas 1802-1858)

Os moradores dos quilombos também viviam em busca de faisqueiras de ouro, pois tinham conhecimento e prática na faiscagem, trazidos do trabalho nas minas, e por certo foram os primeiro a descobrirem pequenas faisqueiras na malha fluvial dos “Sertões do Jacuhy”.

“Esta conclusão encontra amparo pelo menos em dois fatores: a sua experiência anterior e a disponibilidade de tempo, (as rocinhas de subsistência e o cuidado das poucas criações eram tarefa de pouca monta, considerando o ano todo, e isso lhes permitia  dedicar um grande excedente de trabalho e atividades complementares como a coleta, a caça e a exploração dos córregos, ribeiros e grupiaras.” .  (Os “Sertões do Jacuhy” – GRILO, Antonio Theodoro, Pág: 10)

É possível que o Quilombo do Zundu nas proximidades de Jacuí tenha sido o que melhor desenvolveu esta prática na nossa região.

A descoberta do ouro e as relações de barganha foi que fez saber ao governo, civis ou eclesiásticos, da existência dos quilombos e das faisqueiras nos “sertões do jacuhy”, e que direcionou para essa região uma expedição militar dirigida por Bartolomeu Bueno do Prado que já combatia quilombos nas mediações do “Campo Grande“, desde 1757, e em 1759 a expedição seguiu do Rio Grande contornado o atual Parque da Canastra e destruiu o quilombo do Desemboque, depois em direção ao Sapucaí até o possível quilombo do “Cascalho”, (próximo ao Carmo do Rio Claro); foi rumo a nordeste, cruzando o Itapiché até o quilombo da “Ventania”, contorna a serra da Ventania em direção a Jacuí onde se localizava o quilombo do Zundu.

Em 1800, um neto de Bartolomeu Bueno do Prado entra  com um processo judicial com o intuito de conseguir algum beneficio pelos feitos do avô. Parte do processo relata:

“O primeiro avô do suplicante, o capitão-mor Bartolomeu Bueno do Prado, sendo nomeado pelo general de Minas com.te. de honrosa patente de fl. 12, para governador e comandante de uma tropa de 400 homens com seus respectivos oficiais, foi igualmente incumbido de uma poderosa expedição contra os negros fugitivos, aquilombados, e acastelados no vasto Sertão do Jacuí e Campo Grande a qual ele empreendeu, e felizmente executou com enorme gasto de sua própria fazenda, pois rompidos aqueles incultos lugares debaixo de mil incômodos, e risco de vida concluiu a conquista de grandes povoações habitadas por aqueles pretos, desassombrando e livrando todo o continente de Minas Gerais da opressão em que estava por motivo daqueles alevantados…” (Cf Arquivo de Ultramar, verbete n. 11295, cx. 155, 09.12.1800 – rolo 140, pág 77ª e b)

Todos os quilombos encontrados pela expedição de Bartolomeu Bueno do Prado foram destruídos, queimados  e seus habitantes quando não mortos, novamente escravizados. Após a destruição dos quilombos a tropa instalou um Forte ao redor das faisqueiras de ouro encontradas pelos moradores do quilombo do Zundu para dar inicio a exploração desse ouro sob o comando do Estado, (as ruínas deste “forte” se encontram ainda hoje próximo a cidade de Jacuí, seus estudos são dirigidos pelo Laboratório de História de Passos). Posteriormente, as terras foram divididas entre os entrantes dos sertões, com privilegio aos integrantes da expedição.


Texto de Luiz Miguel Mendonça – Licenciado em história e militante de projetos sociais e culturais de Alpinópolis 

 

 

A ASSOPOCULTURAL (Associação de Promoção e Desenvolvimento Cultural de Alpinópolis) faz sua homenagem ao 20 de Novembro – Dia da Consciência Negra. 

 

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